domingo, 5 de setembro de 2010

No terminal de ônibus

O dia a dia de uma dona de casa, mãe de família, que trabalha é muito previsível. O meu, ao menos, é. Acordo cedo junto com meu filho e juntos acordamos meu marido. Peço a ele que, enquanto me arrumo, arrume o progênito. Ele decide tomar banho, primeiro, e o progênito fica sob meus cuidados. Quando sai do banho peço que arrume o lanche do bambino enquanto me arrumo, mas meu marido precisa checar o nível do óleo do carro...

Entre passadelas do quarto para a cozinha arrumo o lanche do pequeno e me arrumo tomando todo cuidado para não inverter a situação. Então saio de casa. Finalmente. Atrasada, como sempre.

No terminal de ônibus analiso as pessoas que transitam naquele local. É uma quantidade absurda de pessoas que chegam e apossam-se de lugares nas filas, de pessoas que desembarcam dos ônibus que estão chegando. Há filas nos quiosques de tapioca, dos sucos, cafés e cafés com leite, do pão de queijo Ryco e do pão de quijo sem nome, e claro, não posso deixar de mencionar a maior estrela de toda atividade matinal daquele terminal: o carrinho de mão transportando um panelão de canjica com leite em pó.

Como disse, a canjica é transportada em panelões industriais sobre os carrinhos de mão. Ao redor do panelão o vendedor deixa à mostra latas de leite Ninho e uma bisnaga de catchup com canela, opcional. Servida em copo descartável é vendida em dois tamanhos, acompanha guardanapo e colher.

Nunca experimentei, mas tenho lá minha curiosidade. Será que é quente? Doce? Ralo?

Tem quem assopre antes de colocar na boca. Há aqueles que enchem a colher, a enfiam na boca e a colher volta com menos canjica. Comer pelos cantinhos do copo é uma maneira de não queimar a língua se estiver quente, acredito. Tem gente que só abastece meia colher, talvez para demorar mais a chegada do fim. Tem, até, aqueles que compram ainda na fila do ônibus e só vão comê-la quando estiverem sentada dentro do meio de transporte.

Nas filas é comum as pessoas pedirem para 'guardarmos' o seu lugar enquanto vai pegar uma canjica, canjiquinha, docinho (formas que eu já ouvi). É automático repondermos 'vai lá'.

Hoje, porém, em fração de segundos, a sra. gordinha com raíz capilar aparente e sorriso no rosto, ao me solicitar tal favor, me deixou desnorteada. Ao pedir para guardar seu lugar na fila para pegar uma 'canjiiiiica', a pronúncia do 'jiiiiii' chiou em meu rosto o hálito matinal do ser humano. Consequência do espaço tão grande entre seus dentes centrais que não podem bloquear, nestes casos, a saída do ar, e eu não pude deixar de desenhar em minha mente a imagem do grão da canjica disfarçando aquele buraco.

Fiquei, durante a viagem até a Paulista, relembrando a situação. Ri sozinha. Contei-me esta história diversas vezes para poder escrevê-la, ri novamente. Aproximando-se do meu ponto começo a ir para o fundo do ônibus. Arrumo o cabel, puxo a blusa que subiu, ajeito a bolsa no ombro e olho para as pessoas que estão na última fileira. Chega meu ponto. Meu olhar encontra o olhar da sra. gordinha com raíz capilar aparente. Ela dá um sorriso. Nenhuma canjica.

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