sexta-feira, 8 de abril de 2011

Massacre Rio de Janeiro - LUTO

Nunca ninguém disse que blog era para postar só momentos de alegria, certo? Muito pelo contrário: esta ferramenta nos possibilita discutirmos sobre tudo o que acontece no mundo. Como no twitter só que com muito mais caracteres...

Como sabem, sou formada em Letras, meu marido também. No entanto, só ele leciona. Eu parti para outro ramo. Mas tenho meus sonhos e projetos para produzir lirvos de leitura e material didático para professores utilizarem.

Bom, o que quero postar aqui é um desabafo de uma professora, mestre, em Língua Portuguesa, amiga minha, Eliane Feitoza, que distribuiu um e-mail nesta madrugada aos seus amigos sobre o que aconteceu ontem, no RJ.

Segue:

Segundo Guimarães Rosa, “Mestre não é aquele que ensina, mas aquele que, de repente, aprende". Diante da tragédia da escola de Realengo, constatei que Rosa de fato tinha razão - dado que me faz estar aqui, com insônia, a escrever um monte de coisas que aprendi enquanto ensinava.
Nos anos em que lecionei língua portuguesa, prática de produção de texto e leitura na escola pública, não só aprendi a como dar aula, mas aprendi, com meus ex-alunos, a lidar com problemas que vão muito além das questões didático-pedagógicas que envolvem uma disciplina, pois foi com eles que verdadeiramente tive um choque com o real - um choque que acredito que todos nós deveríamos ter antes de morrer, visto que seríamos mais sensíveis aos problemas alheios, menos intolerantes, menos preconceituosos, menos centrados em nossos umbigos, pararíamos de procurar pelo em ovo a fim de encontrar problemas,  seríamos mais humanos, não que eu seja. Tive a sorte, durante este tempo, de me deparar com crianças oriundas do mesmo lugar que eu, da favela, da periferia, talvez por isso me identificava tanto com elas, o que não me fez menos disciplinadora, menos exigente, muito pelo contrário, visto que sei o quanto é difícil para alunos da escola pública situada na periferia dar certo na vida. Me orgulho muito de ter, por diversas vezes, ouvido a seguinte frase "Você é chata, mas sabe ensinar". Não a dinheiro que pague ouvir isso, pois todas as vezes que ouvia algo do tipo sabia que estava cumprindo meu papel social enquanto educadora e enquanto sujeito no mundo.
Nos anos de docente da escola pública, aprendi a lidar com a tristeza de perder alunos para a droga. Aprendi a lidar com as diferenças sexuais e de gênero. Aprendi que cada um de nós temos nossas singularidades. Aprendi que a aprendizagem passa pelas relações interpessoais. Aprendi a separar briga. Aprendi a colocar aluno sentado por mais que minha aula fosse desinteressante. Aprendi a olhar no olho. Aprendi a abraçar sem me preocupar se o aluno estava sujo ou não. Aprendi a chorar com problemas que achava que não eram meus. Aprendi a lidar com o fato de que alunos vão à escola só para comer, uma vez que não têm alimentação decente em casa. Aprendi a não subestimar a capacidade das pessoas, pois tive contato com alunos extremamente talentosos, como Renata, Danilo... e tantos outros que deram show nos palcos de Osasco e tantas vezes me fizeram chorar de alegria, de orgulho. Aprendi a aceitar a morte, principalmente a do Bruno, Daniel e Fábio, meus ex-alunos, como algo que acontecia fora dos muros da escola. Aprendi que os alunos perdidos para a bandidagem, daí me vem Negão, o próprio Fábio, Guilherme e tantos outros,  são capazes de respeitar e amar os seu professores. Aprendi que as meninas ficam "barrigudas e têm menino" antes do tempo. O que me constituiu como professora foi o que aprendi com meus ex-alunos, de modo que se hoje sou um ser humano um cadinho melhor devo a eles, que me ensinaram. O que me deixa triste é que eles não sabem nem saberão o quanto foram e são importantes em minha vida. Enfim, de todos esses aprendizados, só  não aprendi e me recuso a aprender que escola seja palco de massacre, foco de ataques de mentes doentes, lugar de morte de inocentes.
Vendo o noticiário, os depoimentos das crianças, dos pais das vítimas, me passou um filme pela cabeça: lembrei de meus ex-alunos, das traquinagens, dos questionamentos sobre a disciplina e sobre a vida, das brigas entre eles, da intrigas,  dos primeiros amores que vi nascer, das risadas, dos gritinhos, dos sonhos, da triste despedida de Daniel, de Bruno, de Fábio... mas em nenhum momento me lembrei de sangue... não do tanto que estamos vendo nos últimos tempos, nos últimos dias, ontem...
 Eliane.


Eli, acredito que você tenha exteriorizado o que muitos estão sentindo. Minhas seguidoras, atuantes na educação e minhas leitoras certamente se encontrarão emmeio a este emocionante desabafo.

Ainda bem que temos educadores como você, como o Lê e como tantos outros milhares que se envolvem e partilham da mesma opinião ao significado do que não é uma escola: palco de massacre, foco de ataques de mentes doentes, lugar de morte de inocentes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário